Rede neutra e ISPs: um caminho de mão dupla

Nelson Valêncio – 08.06.2022 –

A venda dos ativos de rede da Oi vem sendo uma grande vitrine para o conceito de rede neutra. A malha de 400 mil km de fibra óptica é o exemplo mais destacado. A infraestrutura foi comprada por fundos de investimentos liderados pelo BTG Pactual, que passam a controlar os ativos, com 57,9% da nova empresa criada para esse fim, a V.Tal. Com 16 milhões de casas passadas – ou home passed como é a terminologia técnica internacional – a rede de fibra óptica é uma rede considerável e agora disponível para outras operadoras, inclusive os provedores regionais ou ISPs, como adiantou o diretor de Marketing da V.Tal, Rafael Marquez durante a Abrint desse ano, realizada em maio.

A Oi, que era a única dona da rede, passa a agora a ser o cliente âncora. Os novos controladores, por sua, devem rentabilizar a infraestrutura, ao compartilhá-la com outros players. Em entrevista a esse colunista, Marquez lembra que no mercado de ISP não há limite, pois a precificação será parametrizada por casa passada. Em resumo: qualquer provedor regional que não tenha infraestrutura óptica, por exemplo, numa capital, pode ativar o serviço em um mês, ao contratar a rede neutra da V.Tal. Segundo o diretor de Marketing, a entrega da companhia é o acesso de qualidade. A ISP, por outro lado, pode entregar um serviço diferenciado da visão “algorítmica” que as grandes operadoras têm de sua base de clientes.

A malha de fibra óptica da V.Tal, por sua vez, deve continuar a crescer. Os investimentos previstos somam R$ 30 bilhões e a meta é dobrar as casas passadas para 32 milhões até 2025. Parte desse crescimento deverá vir dos ISPs, que podem ampliar sua atuação sem a necessidade de investimento em ativação de rede, manutenção e outros serviços. Com uma redundância em 60% de sua infraestrutura de 400 mil km de fibra óptica, a V.Tal torna-se um parceiro importante da enorme legião de provedores regionais, que juntas formam uma espécie de quarta grande operadora de telecomunicações no Brasil.

Um exemplo recente da estratégia da V.Tal é a AXXEL, que vai usar a infraestrutura neutra para oferecer serviços de ultra banda larga no Paraná. O modelo é ter uma penetração na capital, Curitiba, e sua região metropolitana e em mais seis outras grandes cidades. No território visado haveria 1,4 milhão de casas disponíveis para ativar a oferta da AXXEL, com rede da V.Tal. Para o assinante final é indiferente do ponto de vista de quem oferece a rede. O que garante o sucesso do empreendimento é o acesso de qualidade. O nível de atendimento será gerenciado pelo provedor regional, que é quem aparece para o assinante. E mais: se esse assinante quiser trocar de operadora – mesmo usando a mesma rede – essa questão também será um detalhe de mercado: fica com o cliente quem oferece o melhor atendimento. A rede continua neutra.

Lembrando ainda que a Oi, embora seja o principal cliente e âncora da V.Tal, atende cerca de 10% das mais de 2,3 mil cidades cobertas pela nova empresa de infraestrutura. Isso quer dizer que 90% do mercado potencial que pode ser ativado fica disponível, inclusive para os provedores regionais que miram na expansão de mercado. Outra potencial aplicação da rede de 400 mil km de fibra óptica é na ativação do 5G.

Apesar de ser uma tecnologia sem fio, a quinta geração precisa dar vazão ao transporte gigantesco de dados entre as infraestruturas de estações rádio base (ERBs) e as estações centrais. O transporte passa inevitavelmente pela infraestrutura óptica.

Embora vá operar com sua própria rede, expandindo e capilarizando a malha óptica para oferecer a rede neutra, a V.Tal não será a única nesse universo. As próprias ISPs veem em sua infraestrutura um enorme ativo para o mesmo fim. Quem mais expande com fibra óptica é a imensa legião de provedores regionais, principalmente onde não existe a malha das operadoras e das novas empresas de rede neutra, oriundas da infraestrutura das empresas grandes e tradicionais. O conceito de rede, como ativo estratégico e não-compartilhável, está encerrado.