O “primo pobre” que pode parar o Brasil

João Monteiro – 30.11.2023 – Produção de agregados da construção enfrenta desafios e areia já precisa trafegar 200 km para chegar em São Paulo

Apesar de ser fundamental para a construção civil, a mineração de agregados (como areia e brita) vem enfrentando desafios cada vez maiores pelo descaso das esferas do poder público. A falta de espaço das mineradoras desse insumo nas discussão com governos a faz sair como o “primo pobre” da mineração, perdendo relevância para as grandes empresas de minério de ferro, por exemplo. No entanto, isso pode colocar em risco a expansão da infraestrutura do Brasil e, consequentemente, seu crescimento.

Durante um painel no Seminário de Agregados Metso (SAM), realizado pela fabricante de equipamentos de mineração Metso em Sorocaba (SP) ontem (29/11), representantes do setor destacaram os desafios que as empresas vêm enfrentando. O principal problema é a falta de ordenamento territorial, que expulsa mineradoras de cidades e às empurra cada vez mais longe de sua demanda, que são as construções nas cidades.

Isso já tem impactos na ponta, como lembrou Fernando Valverde, presidente-executivo da Anepac. As entregas de areia já percorrem 200 quilômetros para atender a cidade de São Paulo, o que fez seu preço ficar maior que o da brita, segundo o executivo. Ele afirma que não há risco de desabastecimento, mas o preço vai impactar cada vez mais na construção.

Antero Saraiva, conselheiro da Anepac, apontou que as burocracias municipais para obter licenças impedem a atuação de minas de agregados nas cidades. Fábio Rassi, vice-presidente da Anepac, complementou ao afirmar que a regulamentação não está sendo acompanhada de critérios técnicos, o que incapacita o setor.

Em São José dos Campos (SP), por exemplo, não há um fornecedor na cidade por conta de uma proibição municipal, sendo que o município é o que mais consome o insumo na região do Vale do Paraíba. Há cenários ainda mais críticos, como o do Rio de Janeiro, onde 98% da areia é produzida ilegalmente por organizações criminosas.

“As prefeituras precisam se conscientizar sobre a necessidade de preservar jazidas”, explica Saraiva. Por isso a necessidade do setor se juntar, como por meio de associações e entidades regionais, para buscar maior representatividade no poder público, como defende a Anepac.

Novo desafio de mercado

Outra questão que entrou na pauta foi a comercialização da areia da Vale, que entrou de vez nesse mercado em outubro passado com a criação da Agera. Produzida a partir do rejeito da mineração do minério de ferro, a Vale já destinou cerca de 900 mil toneladas do produto entre 2021 e 2023. A expectativa é comercializar 1 milhão de toneladas só este ano e 2,1 milhões em 2024.

A questão é o preço que isso está sendo ofertado ao mercado e seu volume. O conselheiro Saraiva diz que a areia da Vale já chegou em Minas Gerais com um preço subsidiado, o que pode ser prática de dumping. Com a capacidade de produção e distribuição da Vale, ela pode acabar com os pequenos produtores.

Além disso, há a questão da qualidade da areia, que tem restrições para uso, precisando de mais cimento para formar o concreto, por exemplo. “Areia da Vale é um processo muito recente e ainda faltam mais informações sobre esse novo cenário. Se houver algum problema, a questão deve ser tratada com o Ibram (associação que representa a indústria de mineração)”, diz Valverde, presidente-executivo da Anepac.