“Rede neutra no Brasil é oportunidade de mercado e não decisão regulatória”

Redação – 08.08.2022 –

“Rede neutra no Brasil é oportunidade de mercado e não decisão regulatória.” Essa é a avaliação de Cícero Olivieri, vice-presidente de Engenharia da V.tal, empresa de rede neutra e com maior infraestrutura óptica do país – 400 mil km. Hoje com uma capilaridade que chega a 2,3 mil cidades e atinge 17 milhões de home passed, a V.Tal detém os ativos ópticos da Oi, numa aquisição que consolidou a ideia de rede neutra no Brasil. Agora, com o 5G, a infraestrutura de fibra óptica como a detida pela empresa, será fundamental para garantir a ativação de vários serviços. Executivo com passagens pela GVT, TIM e American Tower, entre outros, Olivieri faz um resumo da adoção da rede neutra como modelo de negócio para as operadoras. Confira:

Cícero Olivieri, vice-presidente de Engenharia da V.tal (foto: Cauê Moreno).

InfraROI – No passado as operadoras consideravam que deter a rede era estratégico para sua operação. Isso mudou, agora, com as redes neutras?

Cícero Olivieri: Esse é um dilema que eu, como responsável da área técnica, já vivi algumas vezes. Então é interessante que a gente vai quebrando alguns paradigmas. Quando eu estava na GVT e era diretor de engenharia fizemos a primeira venda de torres para a American Tower. E a GVT vendeu por um motivo simples. Precisava colocar o dinheiro onde realmente era o foco dela. Eu lembro de viver esse dilema – “mas como é que nós vamos fazer sem as torres sem o acesso como depender de alguém?”. A grande maioria das operadoras está seguindo esse caminho e tem uma eficiência maior porque a gestão desses recursos passa a ser feita por uma empresa especializada em infraestrutura. O que se criou são empresas de infraestrutura independentes e que oferecem esse serviço para as operadoras. E as operadoras ganham eficiência porque podem tirar esse peso das costas e direcionar recursos para onde o negócio está apertando, onde a concorrência é mais crítica.

InfraROI – E isso acontece na área de fibra óptica?

Olivieri – Eu lembro quando eu estava na TIM que fizemos um estudo para avaliar a cobertura junto e chamei o pessoal da Vivo, Claro e da Oi para a gente sentar e ver em que cidades eles ainda não tinham chegado e se poderíamos fazer algum tipo de acordo e fazer a construção conjunta. Ou fazer um swap (troca de infraestrutura) de fibra. Fizemos um mapeamento de antenas e onde havia sobreposição e que poderia levar ao compartilhamento e a necessidade de construção de backbone. Não houve acordo, mas o levantamento mostrou que se cada um construísse sua rede, o investimento seria multiplicado por 4, enquanto que uma infraestrutura comum exigiria um investimento de 1.3. Seria uma redução de praticamente um terço. Então, a primeira conclusão óbvia é o ganho de eficiência. A segunda conclusão é que se você juntar as operadoras não vai funcionar.

InfraROI – Por quê?

Olivieri: Essa sinergia é muito difícil porque cada operadora tem a sua prioridade e as demandas de cada uma necessariamente não se casam. E aí cria-se muita dificuldade para a construção de uma infraestrutura comum. Numa rota de longa distância, isso pode ser menos complicado do que numa rede metropolitana. Por isso entra o conceito de uma empresa de infraestrutura neutra. É interessante que no Brasil o conceito acontece como oportunidade de mercado não uma decisão regulatória como ocorre em muitos países. O mercado é tão interessante que a rede neutra surgiu por pressão dele, porque é um modelo que viabiliza a sinergia entre as operadoras. Porque pode agregar, principalmente quando se fala em 5G, que vai exigir muita capilaridade. Lá atrás quando as conversas começaram não era o timing ainda.

InfraROI – E essa oferta de rede neutra é maior do que torres e fibra óptica?

Olivieri: É um modelo que agrega valor para as operadoras. Ele é um modelo que funciona meio como um shopping center, não depende somente de pequenos clientes, mas que precisa ter sinergia e contratos de longo prazo para que se possa fazer investimento em infraestrutura. Esse modelo, que se consolidou por meio das torres, agora pode ser levado também para a infraestrutura de fibra, que é mais complexa, porque a torre é uma infraestrutura passiva e, quando se vai para a rede de fibra, entra-se em algumas discussões mais amplas, que podem envolver desde uma infraestrutura de fibra óptica passiva até a oferta para outras camadas. Do lado da rede neutra, a discussão é até onde você quer entregar. No nosso caso, temos mais de 400 mil km de fibra, chegando a 2,3 mil cidades, com cerca de 17 milhões de home passed.

InfraROI – Como a V.tal garante a oferta de rede para empresas que podem ser concorrentes?

Olivieri: Temos um sistema de chinese wall em nossos sistemas de TI, o qual garante que os clientes se integram à nossa rede de forma protegida e ninguém vê a informação que não seja sua. Quando ele não ele não tem uma estrutura mais completa, ele pode se integrar via portal operacional. Lá ele ativa os serviços, inclusive os de manutenção. Todo modelo da aquisição do cliente é feito pela operadora e geram-se as ordens de instalação. E nós temos dois modelos, sendo um o que somos responsáveis por instalar o serviço, inclusive na casa do cliente da operadora. Nesse último caso, desenvolvemos um uniforme especial para essa situação porque o nosso técnico não pode chegar na casa do cliente sem ser identificado e sem ter que estar caracterizado com o logo da operadora. Então ele tem no bolso a informação da operadora que ele vai fazer a instalação. A operadora que atendemos pode ter a sua própria equipe e que fazemos é ativar a rede até a última caixa no poste, sendo que a última etapa, do cabo drop até o assinante é assumido pela operadora.

InfraROI – E o mercado corporativo?

Olivieri: É outra linha de negócio, que chamamos de de atacado. Não vendemos diretamente, mas trazemos as operadoras para usar a nossa infraestrutura e ofertar serviços. É o B2B2B. Eles aproveitam toda essa capilaridade metropolitana, mas também a capacidade dos backbones de longa distância e as capacidades dos cabos submarinos. E aí ofertamos conectividade de alta capacidade entre data centers, que tem propósitos específicos. Não queremos ser apenas uma empresa de infraestrutura física, mas ajudar os clientes em sua transformação digital, tendo mais de 3 mil pontos de presença no Brasil. Vemos como tendência essa digitalização, essa “cloudificação” cada vez bem mais forte e que demanda o conteúdo mais próximo.

InfraROI – Queria voltar à sua experiência na GVT, que foi uma entrante que deu muito certo. Me parece que um dos fatores foi justamente o acerto na escolha de redes…

Olivieri: A GVT foi um projeto que quem participou tem muito orgulho de ter participado porque realmente era, de todas as operadoras competitivas, a que ninguém apostava. Isso porque ela entrou na área onde tinha a melhor estrutura da época, que era a área da BRT. Entrou com um grupo que não tinha nenhuma operadora e nenhum grupo forte de investimento. Então era uma empresa fadada ao fracasso, né? A GVT teve na gestão de Amos Genish um diferencial, pois juntava a vivência dele do mercado americano com a origem e treinamento dele em Israel. E uma coisa que a gente aprendeu – e foi decisivo – é a capacidade do israelense de antever situações críticas. A GVT começou e no segundo ano houve o estouro da bolha da internet. Ninguém mais queria colocar dinheiro em telecom porque foi uma quebradeira danada. E a GVT teve que se sustentar, ficando à beira da morte. Ter a capacidade de tomar decisões difíceis e definir o rumo da empresa foi fundamental e, enquanto outras quebraram, ela conseguiu sobreviver.

InfraROI – que mais pode ser destacado nessa experiência?

Olivieri: O segundo ponto foi que a falta de dinheiro provoca a genialidade e a capacidade de inovação, de pensar fora da caixa, você tinha que fazer, com muito menos dinheiro do que as grandes operadoras da época. E isso gerou soluções muito interessantes e criativas, inclusive um trabalho muito forte junto com fornecedores para encaixar a soluções e que foi, na minha opinião, um fator crítico do sucesso. O terceiro ponto é que, em nenhum momento, mesmo nos mais difíceis, foi tirado o foco do cliente. Os executivos da GVT passavam alguns dias por trimestre no call center, ouvindo os clientes e isso gerava revoluções, porque existe uma distância muito grande entre a alta gestão e o que acontece no chão de fábrica. Quando você vai ouvir o que está doendo no cliente, é como um curto circuito que você leva. E percebe que há muita oportunidade para melhorias, para não deixar as áreas se acomodarem.